Quando o córtex se obstina pelo frívolo
e o corte translúcido das venezianas me desampara
trocaria tudo que me é familiar
por um fiapo de desassossego na alma alheia
tudo escorre pelo córrego do sossego
me esqueço de um amigo que me recomendou um romance picaresco
ou uma amiga que foi incisiva na obrigatoriedade de assistir àquele filme sul-coreano
entopem-se as privadas das máximas categóricas de meu pai
me esqueço de todas as histórias de meu avô que não batiam com as do livro
me esqueço até mesmo de sua morte
a marca de sapato no chão do quarto do hospital
o esforço do médico em tentar reanimá-lo
me esqueço
a correria da vida
o corriqueiro que é evitar
a morte
não sei o que sinto
algo como a sensação de aproximar o fogo da unha do pé
e a possibilidade de uma dor enlouquecedora
mas ainda resguardada pelo exoesqueleto da alma
a preguiça
parasita e inflamatória
escala minhas vértebras
como se fossem árvores genealógicas
de famílias de campesinatos
causa uma protrusão
comprime a medula
com uma firmeza paternal
um abraço de diretor
ou
um tapa nas costas
para desentalar.
Giuliano Lagonegro nasceu em São Paulo. Em 2017, ingressou no curso de Letras na Universidade de São Paulo (USP) – cursando apenas três anos da graduação. Atualmente, estuda jornalismo na Fundação Casper Líbero. Além de poeta, é compositor na banda Berggasse e integrante do canal de sessões ao vivo Sala de Estar (@_saladeestar_).
Comment (1)
Poesia, poesia, poesia… um mundo de poesia na mente de um jovem poeta. As imagens que voam, como nuvens etéreas, e se aproximam pelo vórtice da consciência… a palavra dominada pelo dono, na domus, o papel…
Poesia, poesia, poesia…
Parabéns, poeta